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Debaixo da cama só existe pó


Todos temos algures na casa uma caixa (ou muitas caixas!) cheias de coisas que prometemos organizar quando o tempo livre permitir. Esta quarentena ofereceu-nos mais tempo do que alguma vez pensámos ter em mãos, o que fez com que algumas dessas caixas fossem abertas e saíssem de lá pequenos tesouros e, vá, muito lixo que nunca interessou a ninguém. Numa dessas expedições, encontrei uma série de textos que escrevi quando fiz o meu disco inteiramente em português "Futuro Eu" e houve um que me chamou a atenção. Escrita à máquina (como tudo o que escrevi para este disco), esta "Carta a David" foi o ponto de partida para o tema título do disco e provavelmente das primeiras coisas que escrevi para ele. Se bem me lembro, a ideia inicial era que estas canções fossem todas feitas em forma de carta dirigidas a várias pessoas, reais ou imaginárias, mas acabou por não vingar.


Desse impulso inicial, restou apenas a canção "Futuro Eu" e este esboço de carta que partilho aqui com vocês. É um texto simples, uma espécie de introdução à canção que começa com a frase "Futuro eu, lê esta carta que eu escrevi". O ponto de partida era uma ideia vaga mas eficaz, acabou por crescer ao longo dos dias, semanas, meses, e acabou numa canção agitada que é presença habitual nos meus concertos ao vivo (e talvez das minhas preferidas em cima do palco). Digo muitas vezes que não faço ideia para onde uma canção vai uma vez que aparece na minha cabeça, mas é sempre surpreendente para mim observar o seu trajecto inicial. Raramente sei onde começa, por isso gostei tanto de encontrar este texto.


Meses mais tarde e já com a canção completa, inventei as imagens para ela num dia muito, muito longo no Museu José Malhoa nas Caldas da Rainha e que completou este arco de invenção. Há poucas coisas tão satisfatórias como inventar uma canção, fazer aparecer algo que ainda não existia, e talvez por isso o meu fascínio pela música nunca tenha desaparecido. Sempre que volto a olhar com atenção para esse canto da minha imaginação, acabo por encontrar sempre qualquer coisa que nunca tinha visto antes.





A canção "Futuro Eu" acabou por ser a soma de muitas coisas que me fascinam: a sistemática projecção do futuro, as ideias feitas sobre ele, a alusão aos profetas do bem-estar e da felicidade (que sempre tanto têm para dizer) e uma dose de ironia enorme para completar este ramo florido. O facto da canção ser assente numa espécie de pop-rock-funk-semi-dançável é um acaso feliz, sempre solto o bailarino que há em mim de cada vez que surge em palco.


David


(fotos da rodagem de "Futuro Eu" por Rui Miguel Pedrosa)







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