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O silêncio deixa-me ileso.


Quando lancei o primeiro disco com os Silence 4, não fazia ideia que as minhas inquietações líricas fossem ressoar de forma tão forte a quem me ouvia do outro lado. Escrevi as canções para mim, como um desabafo, uma maneira de transformar algumas dessas inquietações em algo diferente, mais luminoso, mais criativo, mas mais tarde vim a descobrir que não estava sozinho. Há canções onde o que escrevo é mais ou menos óbvio, especialmente para quem possa identificar o mesmo estado de espírito que a atravessa. Um dos assuntos que sempre me fascinou (e fascina!) é a ideia de que todos temos um mundo interior gigante e misterioso. Que, de facto, nunca ninguém sabe bem o que se passa por lá, nem a pessoa que transporta esse mundo de um lado para o outro. Esse universo tem tanto de fascinante como de aterrador e por vezes levam-se vidas inteiras para conseguir vê-lo à luz do dia.


Perdi a conta às vezes que escrevi sobre isto. Todas as letras que escrevo são muito pessoais, embora não sejam exactamente auto-biográficas. Escrevo sobre o que me motiva, o que me impressiona ou comove, e a maior parte das vezes as letras estão ligadas a muitas outras pessoas, eventos e suposições. Acabam sempre por falar de mim, não de forma exacta ou factual, mas antes como um registo emocional do que efectivamente me impressiona. Relembro aqui algumas passagens:


"O silêncio deixa-me ileso e que importância tem?

Se assim tu vês em mim alguém melhor que alguém?"

"Eu não sei dizer", 1998


"And you're crazy if you think that I'll let you in

My sunshine and my rain

The thoughts I hide away

From all the world to see"

"My Sunshine and my rain", 2003


"Girl, you see me smiling

Girl, I'm singing words of joy to the world

Between the lines, it's written in a smile

Can't you hear a cry for love?"

"A Cry 4 Love", 2009


"And it feels like theres someone who's still waiting for me to come around

And I see your hands but its so hard to find your face in the crowd"

"It Feels Like Something". 2012


"Tenho tanto e tento,

Mas o que vai cá dentro só eu sei

E mais ninguém, ninguém, ninguém"

"Ninguém", 2017


Depois das canções saírem, especialmente aquelas que falam de universos interiores mais duros, fui sempre surpreendido com mensagens e abordagens que continham sempre o mesmo teor: "Sei bem do que falas nesta canção." Ao longo dos anos, comecei a perceber que, mesmo sem esse intuito inicial, tinha ido de encontro a alguns destes mundos difíceis e que uma canção, por mais pequena que possa ser, podia também ser um interlocutor, uma luz em dia escuro, uma ideia que afirmava sem medo "Eu também estou aqui". Sei-o melhor que ninguém porque a música foi sempre minha companheira em quase todos os momentos difíceis, assim como lá estava nos melhores momentos também. Como compositor e músico, tive a sorte e oportunidade única de ouvir as histórias de quem pegou nestas canções e as juntou à sua tábua de salvação para longe do lado mais lamacento da existência. Tenho a certeza que quase todos os compositores ouviram histórias semelhantes, com a música a exercer o seu papel como um retrato do que nos rodeia.


Todos nos debatemos com um mundo interior gigante e misterioso, não há como o negar. Uns têm mais facilidade em lidar com ele, outros atrapalham-se e perdem-se por lá. Uma coisa é certa: ninguém está sozinho. Tudo o que atravessamos, o que quer que seja, alguém já atravessou também. Não somos exclusivos na nossa dor ou alegria, muito pelo contrário, é o nosso denominador comum. Não somos perfeitos, não temos todas as soluções, nunca saberemos tudo. Mas estamos aqui todos juntos, o que nos coloca a responsabilidade de olharmos mais para o outro e de sermos livres de pedir ajuda sem que isso seja um peso.


As canções ensinaram-me que, por mais escuro ou claro que seja o meu pensamento e as minhas palavras, há sempre alguém do outro lado que sabe exactamente do que estou a falar. Assim é na vida também. Nunca estamos sós.


David


PS - Uma das canções mais bonitas que já eu ouvi sobre algumas destas inquietações chama-se "Lado Oposto" da Márcia. Fiz uma versão dela há uns anos, deixo aqui para quem quiser ouvi-la.


PS2 - Deixo aqui uma série de contactos úteis a esta discussão.


Centro SOS-Voz Amiga: 800 209 899 (16-24h)

Telef.: 21 354 45 45 - Diariamente das 16 às 24h

Telef.: 91 280 26 69 - Diariamente das 16 às 24h

Telef.: 96 352 46 60 - Diariamente das 16 às 24h

www.sosvozamiga.org


Conversa Amiga (entre as 15h e as 22h) - 808 237 327 (Número gratuito) e 210 027 159


SOS Estudante (entre as 20h e a 1h) - 239 484 020


Telefone da Esperança (entre as 20h e as 23h) - 222 080 707


Telefone da Amizade (entre as 16h e as 23h)




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