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Passam hoje 4 anos desde a estreia do videoclip de "Ela Gosta de Mim Assim". Faço os meus vídeos há mais de 13 anos e, depois de fazer mais um, prometo sempre a mim próprio que é o último. Fazer vídeos é sempre uma faca de dois gumes: por um lado, quero muito fazê-lo e quero que a parte visual da canção seja uma extensão de uma ideia minha; por outro, o processo complexo de ter uma ideia que consiga efectivamente ser exequível em termos de produção é um desafio que me exausta sempre. Na minha cabeça, os vídeos começam sempre com loucuras impressionantes e depois vem o meu lado de produtor com uma cara muito seca que apenas diz "Não!". Fazer o cruzamento entre uma ideia e a plausibilidade de torná-la real é um equilíbrio muito ténue e desgastante.


Mesmo assim, parece que o lado das ideias continua a ganhar. Afinal, continuo a realizar os meus videoclips e a fazê-lo alegremente. E talvez seja porque, por vezes, acontecem verdadeiros milagres como aquele que acontece em "Ela Gosta de Mim Assim".


A ideia era simples: reproduzir na medida do possível todo o cenário e circunstância do vídeo de Paul Simon "You Can Call Me Al" e convidar o Bruno Nogueira para entrar comigo dentro desse videoclip. Não faço ideia de onde surgiu isto, mas atraía-me imenso poder entrar num vídeo que não o meu e transformá-lo noutra coisa. Talvez fosse o surrealismo dessa suposição, fazer algo que parecia impossível e, de uma vez só, fazer uma homenagem ao vídeo original e, de certa forma, habitá-lo no tempo presente.


Duas semanas depois, foi com choque que olhei para o cenário montado, praticamente igual ao original. Ia mesmo acontecer. E quando o Bruno chegou ao set, era óbvio para mim que íamos fazer algo, no mínimo, diferente. Já tinha trabalhado com ele algumas vezes e tinha visto as várias facetas do seu enorme talento como cómico, actor e escritor, por isso não foi surpresa a forma como transformou este pequeno espaço à sua maneira de forma tão brilhante. E o playback é tão convincente que dei por mim a explicar inúmeras vezes que não era o Bruno que cantava a canção (o que acabou mesmo por fazer no espectáculo de 20 anos nos Coliseus de Lisboa e Porto).

O Verão chega e com ele chega sempre esta canção e vídeo na minha timeline. Acho sempre apropriado ao momento e continuo a olhar para toda esta sequência com uma certa incredulidade: Fizémos mesmo isto?


Aparentemente, sim. E várias vezes, até ficar bem.


Façamos do Verão o melhor que pudermos. E porque são tempos diferentes, que não nos apertemos em portas ou noutro sítio qualquer. Mas que o celebremos com igual alegria!


David








Quando eu tinha 16 anos, os meus pais ofereceram-me uma máquina fotográfica, mais propriamente uma Zenit com uma lente em rosca de 50mm. Posso dizer que talvez tenha sido das melhores prendas que tive na minha vida. A minha paixão por fotografia estava a despontar e, de repente, tinha um propósito constante. A partir do dia em que me ofereceram a máquina, nunca mais saí sem ela a tira-colo. E com ela nas mãos, o mundo passou imediatamente a ser um sítio muito mais interessante. Comecei a reparar em pormenores que nunca tinha observado, a conhecer pessoas que, de outro modo, seria mais difícil, aquela máquina tornou-se a minha ligação secreta para com um mundo sistematicamente interessante, sempre a acontecer à minha frente.


De vez em quando, vou pesquisar ao arquivo o que andei a fazer nesses tempos e hoje encontrei estas duas fotos, tiradas em Óbidos quando tinha uns 18 anos. Gosto do facto dos noivos terem deixado o homem da câmara para trás, há algo de inusitado neste momento à chuva naquelas ruas apertadas. Se não tivesse a minha câmara, este momento tinha sido apenas isso, um momento. Agora é outra coisa, é como se pudesse ecoar ao longo do tempo com outras leituras, outras reflexões.


Um dos grandes prazeres da minha vida continua a ser esse: andar por aí com uma máquina nas mãos. Claro que agora não tenho de contar o número de fotogramas que ainda tenho disponível (fotografo a maior parte das coisas em digital), mas continuo a ter o fascínio de descobrir o que está à minha volta, como se fosse uma aventura, como se estivesse a olhar para tudo pela primeira vez e com uma atenção redobrada.


Ontem caminhei durante 45 minutos numa zona residencial de Lisboa com a minha câmara. Partilho com vocês o que fotografei, uma série de pequenos eventos que de outra forma teriam passado ao lado dos meus olhos. Ontem dei por mim a olhar para o mundo e para os seus pormenores com a mesma curiosidade com que espreitei pelo vidro da Zenit pela primeira vez.

Acredito que um dos segredos da criatividade é a sistemática curiosidade que move o espírito. E não consigo pensar em forma melhor de mantê-la do que andar por aí de câmara a tira-colo.


David


Todos temos algures na casa uma caixa (ou muitas caixas!) cheias de coisas que prometemos organizar quando o tempo livre permitir. Esta quarentena ofereceu-nos mais tempo do que alguma vez pensámos ter em mãos, o que fez com que algumas dessas caixas fossem abertas e saíssem de lá pequenos tesouros e, vá, muito lixo que nunca interessou a ninguém. Numa dessas expedições, encontrei uma série de textos que escrevi quando fiz o meu disco inteiramente em português "Futuro Eu" e houve um que me chamou a atenção. Escrita à máquina (como tudo o que escrevi para este disco), esta "Carta a David" foi o ponto de partida para o tema título do disco e provavelmente das primeiras coisas que escrevi para ele. Se bem me lembro, a ideia inicial era que estas canções fossem todas feitas em forma de carta dirigidas a várias pessoas, reais ou imaginárias, mas acabou por não vingar.


Desse impulso inicial, restou apenas a canção "Futuro Eu" e este esboço de carta que partilho aqui com vocês. É um texto simples, uma espécie de introdução à canção que começa com a frase "Futuro eu, lê esta carta que eu escrevi". O ponto de partida era uma ideia vaga mas eficaz, acabou por crescer ao longo dos dias, semanas, meses, e acabou numa canção agitada que é presença habitual nos meus concertos ao vivo (e talvez das minhas preferidas em cima do palco). Digo muitas vezes que não faço ideia para onde uma canção vai uma vez que aparece na minha cabeça, mas é sempre surpreendente para mim observar o seu trajecto inicial. Raramente sei onde começa, por isso gostei tanto de encontrar este texto.


Meses mais tarde e já com a canção completa, inventei as imagens para ela num dia muito, muito longo no Museu José Malhoa nas Caldas da Rainha e que completou este arco de invenção. Há poucas coisas tão satisfatórias como inventar uma canção, fazer aparecer algo que ainda não existia, e talvez por isso o meu fascínio pela música nunca tenha desaparecido. Sempre que volto a olhar com atenção para esse canto da minha imaginação, acabo por encontrar sempre qualquer coisa que nunca tinha visto antes.





A canção "Futuro Eu" acabou por ser a soma de muitas coisas que me fascinam: a sistemática projecção do futuro, as ideias feitas sobre ele, a alusão aos profetas do bem-estar e da felicidade (que sempre tanto têm para dizer) e uma dose de ironia enorme para completar este ramo florido. O facto da canção ser assente numa espécie de pop-rock-funk-semi-dançável é um acaso feliz, sempre solto o bailarino que há em mim de cada vez que surge em palco.


David


(fotos da rodagem de "Futuro Eu" por Rui Miguel Pedrosa)







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