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GOING TO THE MOVIES


Gosto muito de cinema, especialmente aquele que é desafiante e que me instiga a pensar sobre qualquer situação numa perspectiva que não teria de outra forma. Não tenho a expectativa de narrativas redondas com princípio, meio e fim, nem sequer procuro que os filmes apresentem uma solução final a cada conflito apresentado. Aquilo que espero é que esta arte complexa que envolve muitas artes diferentes (desde a escrita à representação, da fotografia à realização, do guarda-roupa à edição, etc) me possa transportar para qualquer lado, que ligue as abstracções do mundo e que as materialize à minha frente. Às vezes leva-me às lágrimas, outras às gargalhadas, às vezes deixa-me a sós com uma nova experiência e realidade que desconhecia. Outras vezes leva-me a sítios inóspitos, a pensamentos difusos, a ideias que não me tinham nunca passado pela cabeça. Há filmes que contam histórias, outros não contam história nenhuma, não acho obrigatório que o façam. Mas gosto quando me levam a um lugar que não conhecia dentro de mim, ou que me levem a um lugar familiar que julgava perdido na minha memória.


Não faço ideia de quantos filmes já vi, mas foram muitos. Mesmo muitos. E para ser honesto, mais de metade deles não me satisfizeram por aí além. É sempre uma aventura, nunca sei se vai valer a pena até ter chegado ao fim. Já desisti de alguns a meio, de tão maus que me pareceram aqueles primeiros 30 minutos, mas acontece pouco. Gosto essencialmente da premissa de um mundo em aberto por descobrir, de uma surpresa maravilhosa a caminho. Às vezes tenho expectativas, outras vezes não sei absolutamente nada sobre o que vou ver, e ambas as situações funcionam bem para mim.





Na última semana vi dois filmes nesses pólos opostos: “Asteroid City”, de Wes Anderson, sobre o qual tinha muitas expectativas, e “The Worst Ones”, de Lise Akoka e Romane Gueret, do qual não tinha qualquer informação. O novo de Anderson é exactamente o que se esperava: uma junção das várias componentes artísticas envolvidas na feitura de um filme com um grau de obsessão sobrenatural na composição de cada um dos elementos. “Asteroid City” é um filme onde nada parece falhar, meticuloso em cada um dos seus pormenores, desde a narrativa à fotografia, do trabalho de actores aos movimentos de câmara. Mas confesso que enquanto via o filme dei por mim algo hipnotizado por todos estes elementos cénicos, os enquadramentos onde nada está fora do lugar, um mundo construído sem ruído ou linhas tortas. É fascinante o trabalho de composição de cada um dos planos, o planeamento pormenorizado a um nível doentio de todos os protagonistas em cada frame, de cada pedaço de decor, de cada objecto que está em cena, de cada frase que é proferida. Um mundo hiperbolizado de tal maneira que, confesso, acabou por perder-me neste labirinto de cores garridas de postal dos anos 70. A forma acabou por sobrepôr-se ao conteúdo, a deixar-me baralhado em vários momentos do filme, mas não deixou de ser uma experiência absolutamente fascinante.


“The Worst Ones” não é necessariamente o pólo oposto do universo de Wes Anderson, mas quando vistos de seguida, parecem viver em planetas diferentes. Estamos em Julho de 2023 e é já um dos meus filmes preferidos do ano. Apesar de não ter nenhum dos elementos visuais espectaculares de “Asteroid City”, é um filme que fala de muitas coisas diferentes ao mesmo tempo sem perder o rumo a cada uma delas. Não vou escrever nada sobre a história que nele se conta (não tenho ambições a fazer crítica de cinema ou de estragar a experiência a alguém de entrar num filme sem qualquer referência), mas achei incrível como me levou a tantas questões diferentes, algumas bem difíceis, enquanto o via. Um filme que encerra duras críticas ao próprio acto de filmar, que questiona a ideia de realidade/ficção de muito do que vemos no ecrã e principalmente por me ter feito rir às gargalhadas pela razão mais trágica que se possa imaginar. A somar a isto, tem o conjunto de miúdos mais talentosos que já vi no ecrã, verdadeiramente impressionantes.


Bem sei que o streaming e as suas séries sem fim roubaram muito do protagonismo das longas metragens, mas ainda não há nada que substitua o formato clássico do cinema, especialmente quando é tão bem executado, mesmo que nem sempre me preencha as medidas. A luz apaga-se na sala e o mundo desaparece para dar lugar a outro. Que mundo será esse desta vez?

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